Phiona Mutesi é uma miúda de 16
anos. Nasceu no Uganda, numa favela, Katwe. Quando tinha nove anos, Phiona foi
apresentada a um ex-jogador de futebol, Robert Katende. Ele mostrou-lhe um jogo
tão estranho que nem sequer tinha um nome no idioma em que ela se expressava:
xadrez. Ela sentiu-se atraída pelas figuras das peças. Começou a jogar. Sete
anos depois, tornou-se rainha. A história dela deu um livro. A história dela
faz sonhar.
Tim Crothers é um jornalista norte-americano que desenterrou
Phiona do anonimato. Escreveu um longo perfil, publicado há um ano, no site do
canal desportivo ESPN. O texto tornou-se viral. Despertou sentimentos. Puxou
pelas atenções.
Crothers descreve assim o ponto de partida desta rapariga que
fintou tanta fatalidade: “Phiona Mutesi é o expoente dos que nunca são
favoritos. Ser-se africano é estar em desvantagem no mundo. Ser-se do Uganda é
estar em desvantagem em África. Ser-se de Katwe é estar em desvantagem no
Uganda. E ser-se mulher é estar em desvantagem em Katwe.”
Katwe é o maior dos oito bairros pobres de Kampala, capital do
Uganda. Crothers definiu-o como um dos piores lugares do mundo. Não há
saneamento e há insectos por todo o lado. Um antro de pobreza, onde ir à escola
é mais do que um luxo. É uma miragem para a maioria. “É um lugar onde toda a
gente está em movimento, mas ninguém sai dali. Diz-se que se nasceste em Katwe,
hás-de morrer em Katwe, de doença, violência ou negligência”, descreve Crothers,
que transformou o longo artigo num texto ainda maior e lançou, há dois meses,
um livro sobre Phiona: The Queen of Katwe: A Story of Life,
Chess, and One Extraordinary Girl’s Dream of Becoming a Grandmaster.
A Disney já comprou os direitos.
Phiona levantava-se todos os dias às 5h e andava duas horas para
encher um recipiente com água potável. Com nove anos, conheceu Robert Katende,
que lhe apresentou o xadrez. Isso foi em 2005. Ela passou a andar seis
quilómetros por dia para jogar aquele jogo.
O responsável por esta paixão era um ex-futebolista, de 28 anos,
que julgava proteger crianças de um futuro nada risonho através do xadrez. Em
Katwe, descreve Crothers, o valor da mulher é o valor do sexo e dos filhos que
gera. Metade das adolescentes são mães. Muitos habitantes estão contaminados
com o vírus da sida — doença que matou o pai de Phiona, quando esta tinha três
anos.
No espectro de uma derrota, por vezes surgem jogadas de mestre.
Assim foi a iniciativa de Robert Katende. Phiona regressou à escola graças a
uma bolsa. Sonha ser médica e chegar ao topo da carreira no xadrez, com o
título de grande mestre. Nas Olimpíadas do xadrez, em Outubro, tornou-se
candidata a mestre. O instinto de sobrevivência de uma vida ainda curta no
Uganda, serviu-lhe também no tabuleiro.
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